“O tempo faz a gente esquecer. Há pessoas que esquecem depressa. Outras apenas fingem que não se lembram mais.”
(Erico Verissimo)
É absolutamente impossível tecer qualquer comentário que não seja parcial sobre o término da releitura que fiz da gigantesca obra “O Tempo e o Vento”, de Erico Verissimo, escritor gaúcho, de Cruz Alta, falecido em 1975, que também escreveu outras obras consagradas como "Incidente em Antares" e "Olhai os Lírios do Campo". Os motivos são variados:
1 - Qualidade literária;
2 - Sagas sempre impressionam;
3 – Os duzentos anos da cronologia tem como fatores principais o passar do tempo e a chegada do vento;
4 – Não há pontas soltas;
5 – Personagens memoráveis;
5 – Ironia constante;
6 – A obra é praticamente a autobiografia do autor;
7 – Enredos familiares e rivalidades de sangue e classe são ingredientes de lutas;
8 – A força motora é das mulheres que resistem em casas e não dos homens que provocam e participam de guerras sem sentido;
9 – É interessante acompanhar a formação da linhagem de uma família;
10 – Ninguém relê uma obra desse tamanho só por considerá-la boa. Ela tem que ser extraordinária e nisso “O Tempo e o Vento” se consagra ainda mais.
“O Tempo e o Vento” é uma trilogia composta pelos sete livros “O Continente volume 1”, “O Continente volume 2”, “O Retrato volume 1”, “O Retrato volume 2”, “O Arquipélago volume 1”, “O Arquipélago volume 2” e “O Arquipélago volume 3”, contando a história da formação do Rio Grande do Sul, desde 1745 até o ano de 1945, somando duzentos anos de história que mescla realidade e ficção tendo como pano de fundo o passar do tempo e a chegada do vento (fatores essenciais que marcam os principais momentos).
A minha releitura durou mais tempo do que eu imaginava – não pelo número de páginas (2.203) – mas por conta das anotações de vários trechos da obra e principalmente porque estamos atravessando a pandemia do Coronavírus que não me deixou concentrar por quase duas semanas.
Mas enfim, livro concluído! Choro garantido! E cada personagem guardado em lugar muito especial: no meu mundo literário. Hoje, mais madura, reconheço o valor histórico, político e social da obra como um grito de alerta aos horrores das guerras, para a necessidade quase brutal que os homens gaúchos tem de se afirmar homens e da inutilidade de se ter “poder”. E então nos perguntamos: poder para quê?
Fica aqui a recomendação para que você dê uma chance ao livro e não se assuste com o tamanho. Comece lendo aos poucos que após as trinta primeiras páginas o tempo vai te levar e o vento vai te varrer para a mais famosa saga da literatura brasileira.
Breve release de cada livro:
O Continente (volumes 1 e 2):
O livro acompanha a formação da família Terra Cambará. Num constante ir e vir entre o passado – as Missões, a fundação do povoado de Santa Fé – e o tempo do Sobrado, sitiado pelas forças federalistas, em 1895, desfilam personagens fascinantes, eternamente vivos na imaginação dos leitores: o enigmático Pedro Missioneiro, a corajosa Ana Terra, o intrépido e sedutor Capitão Rodrigo, a tenaz Bibiana.
“Ter filhos é que é negócio de mulher, eu sei – continua Maria Valéria. – Criar filhos é negócio de mulher. Cuidar da casa é negócio de mulher. Sofrer calada é negócio de mulher. Pois fique sabendo que esta revolução também é negócio de mulher. Nós também estamos defendendo o Sobrado. Alguma de nós já se queixou? Alguma já lhe disse que passa o dia com dor no estômago, como quem comeu pedra, e pedra salgada? Alguma já lhe pediu pra entregar o Sobrado? Não. Não pediu. Elas também estão na guerra.”
O Retrato (volumes 1 e 2):
Rodrigo Terra Cambará se revela um líder populista, defensor dos pobres e do Estado Novo. Em 1945, com a queda de Vargas, ele volta do Rio de Janeiro à sua cidade natal para ajustar as contas com a família, que, no embate entre a tradição rural e o início do processo de urbanização, não se reconhece mais no país que ajudou a construir.
“Agora, naquele trem viajava um homem de 24 anos que trazia nas veias o sangue do Capitão Rodrigo. Era o primeiro Cambará letrado na história da família, o primeiro a vestir um smoking e a ler e falar francês, levava na mala um diploma de Doutor e agora uma imagem maravilhosa lhe ocorria. Ele podia, ou melhor, devia usar este diploma como o Capitão Cambará usara a sua espada: na defesa dos fracos e dos oprimidos”.
O Arquipélago (volumes, 1, 2 e 3):
O livro encerra a saga protagonizada pela família Terra Cambará. Santa Fé, o Rio Grande do Sul e o Brasil como um todo se modernizam e já não cabem nos planos das oligarquias tradicionais. Os Cambarás retiram o apoio ao governo e aderem à Revolução de 1923. A história da família se mistura com a realidade fervilhante do país na primeira metade do século XX. As disputas pelo poder, a bravura e o amor marcam a obra que se firmou como um dos maiores clássicos da literatura brasileira.
“Espera mais um dia ou dois, e verás como vais te sentir mais perto de teu pai que nunca. Morto, ele passará a ser o que tua amorosa imaginação e a tua saudade fizerem dele. Nossa memória é dotada dum filtro mágico cuja tendência é deixar passar para a consciência apenas as boas lembranças dos dias vividos e das pessoas mortas. E é justamente essa inocência da memória que nos torna possível continuar vivendo sem desespero”.