quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Dicas de clássicos para ler em 01 dia


"Clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer." (Ítalo Calvino)

Sabe quando surge a vontade e a oportunidade para ler o dia inteirinho? Aquele momento de estar em local confortável, com luz agradável aos olhos e clima ameno que são perfeitos para pegar um livro bem especial? Pensando nisso, deixo dicas de livros clássicos (meu gênero preferido) que podem ser lidos em apenas 01 dia. 

Óbvio que tudo depende do seu ritmo e não há regras porque a delícia da leitura reside no prazer de ler e não na obrigação de cumprir um cronograma. Cada livro depende do tamanho da fonte, do espaço entre parágrafos, estilo, complexidade e se, assim como eu, você gosta de  marcar trechos e se demorar refletindo (nisso investimos um bocado de tempinho), a leitura pode se alongar e isso é ótimo também.

Caso sua intenção seja a de tentar ler um livro clássico em apenas 01 dia, seguem as sugestões dos seis livros que consegui realizar essa proeza. Vamos lá!


1 - "A Hora da Estrela", de Clarice Lispector. Editora Rocco / 87 páginas

Opinião: Clarice não figura na minha preferência literária porque seus contos parecem se tratar do mesmo tema quando os lemos em continuidade, mas é inegável a escrita enxuta e dramas intensos. O livro me emocionou pela profundidade que existe na extrema pobreza e simplicidade na alma da protagonista. 

Mini Resenha:
A nordestina Macabéa é uma mulher miserável que não tem consciência de existir. Após perder uma velha tia, viaja para o Rio, onde aluga um quarto e se emprega como datilógrafa. Apaixona-se, então, por Olímpico de Jesus, que logo a trai com uma colega de trabalho. Desesperada, Macabéa consulta uma cartomante, que lhe prevê um futuro luminoso, bem diferente do que a espera. 

Curiosidade: Clarice cria até um falso autor para seu livro, o narrador Rodrigo S.M., mas nem assim consegue se esconder. O desejo do desaparecimento, que a morte real logo depois consolidados, se frustra.


2 - "Pedro Páramo", de Ruan Rulfo. Editora BestBolso / 137 páginas

Opinião: A dificuldade para entrar na história cheia de ruídos, vozes e troca de narradores é fato. Tal qual uma colcha de retalhos, a obra é entrecortada por falas de personagens principais, do presente e ecos do passado. Mas depois de entendermos, é impossível largar, apesar da complexidade. Caso tenha dificuldades, indico o vídeo “Pedro Páramo” da Booktuber Tati Feltrin. Lá, ela explica os detalhes desse pequeno monumento literário que considero a melhor leitura sobrenatural dos últimos tempos. 

Mini Resenha: 

Romance mais aclamado da literatura mexicana, “Pedro Páramo” é o primeiro de dois livros lançados em toda a vida de Juan Rulfo. O enredo, simples, trata da promessa feita por um filho à mãe moribunda, que lhe pede que saia em busca do pai, Pedro Páramo, um malvado lendário e assassino. Juan Preciado, o filho, não encontra pessoas, mas defuntos repletos de memórias, que lhe falam da crueldade implacável do pai. Vergonha é o que Juan sente. Alegoricamente, é o México ferido que grita suas chagas e suas revoluções, por meio de uma aldeia seca e vazia onde apenas os mortos sobrevivem para narrar os horrores da história. 

Curiosidade: O realismo fantástico como hoje se conhece não teria existido sem Pedro Páramo; é dessa fonte que beberam o colombiano Gabriel Garcia Márquez e o peruano Mario Vargas Llosa, que também narram odisseias latino-americanas.



3 - "Édipo Rei", de Sófocles. Editora: Zahar / 122 páginas

Opinião: Édipo Rei tem uma forma de leitura peculiar e formatada em formato de teatro, portanto, quem não está acostumado pode estranhar. Eu me adaptei de cara e li bem rápido mesmo, aliás, de todas essas dicas expostas, essa obra li numa tarde até o fim da noite.

Mini Resenha: Após decifrar o enigma da Esfinge, Édipo torna-se rei de Tebas e casa-se com Jocasta, a rainha viúva. Anos mais tarde ele é confrontado com o desafio de desvendar o assassinato de Laio, seu antecessor no trono. Ao investigar o crime, contudo, surgem dúvidas sobre sua própria identidade, e ele faz descobertas que o levarão à mais dolorosa das catarses.

Curiosidade: Dentre os poetas trágicos gregos, Sófocles foi o mais clássico. Ao contrário de outros poetas, alvos constantes de zombaria, seu prestígio pode  ser medido mesmo após a sua morte, recebendo o culto heróico, sob o nome de Dexion. Sua reputação cresceu ainda mais depois que Freud tirou o herói do palco e o deitou no divã, nomeando a partir dele o complexo que descreve a atração que todo filho sente em algum momento por sua mãe: o "Complexo de Édipo".



4 - "A Morte de Ivan Ilitch", de Liev Tolstói. Editora: Folha de São Paulo / 79 páginas

Opinião: De Liev Tolstoi li dois monumentos: “Anna Kariênina” e “Os Irmãos Karamazov” e logo depois segui com “A Morte de Ivan Ilitch” que não me prendeu. Não sei se foi a atmosfera da história, o dia que talvez não estivesse legal para a leitora aqui, de qualquer forma caí no erro brutal de comparar a obra com as duas anteriores. Mas como opiniões não são unânimes, ta aí uma excelente oportunidade para você ler em dia um clássico russo super bem escrito, direto e sem delongas que trata sobre a hipocrisia humana. 

Mini Resenha: Em “A Morte de Ivan Ilitch” Tolstoi utiliza a agonia de um jurista bem sucedido para refletir sobre questões filosóficas como o sentido da vida e a inevitabilidade da morte, num eterno monólogo mental, aplicando o fluxo de consciência. A reflexão é iniciada quando o juiz de instrução descobre, depois de alcançar uma vida confortável, que tem uma grave doença. A partir daí, este passa a refletir sobre o sentido de sua existência, numa experiência-limite de rara força poética.

Curiosidade: Em uma carta enviada a um amigo, Tolstói escreveu: “A verdade é que o Estado é uma conspiração desenhada não somente para explorar, mas acima de tudo para corromper seus cidadãos. De agora em diante, eu jamais servirei a nenhum governo em nenhum lugar.” Seus conceitos influenciaram Mahatma Gandhi, que chegou a procurar o escritor russo em busca de conselhos.


5 - "Elogio da Loucura", de Erasmo de Rotterdam. Editora: Lafonte / 109 páginas

Opinião: É o livro certo quando o que você procura é o sarcasmo mais original possível. Foi meu livro de cabeceira por anos a fio e de vez em quando dou mais uma folheada porque tem tanta coisa em sentido que faz todo o sentido ao final, que às vezes, pensamos que o mundo está de cabeça para baixo. A obra nos mostra seres mesquinhos e ridículos que ora nos diverte, ora nos alarma através das atitudes comportamentais de dirigentes políticos e religiosos. 

Mini Resenha:
No libelo do teólogo Erasmo de Rotterdam quem fala é a Loucura. Sempre vista apenas como uma doença ou uma característica negativa e indesejada, aqui ela é personificada de forma encantadora. E, já que ninguém mais lhe dá crédito por tudo o que faz pela humanidade, ela tece elogios a si mesma. O que seria da raça dos homens se a insanidade não os impulsionasse na direção do casamento? Seria suportável a vida, com suas desilusões e desventuras, se a Loucura não suprisse as pessoas de um ímpeto vital irracional e incoerente? Não é mérito da Loucura haver no mundo laços de amizade que nos liguem a seres perfeitamente imperfeitos e defeituosos? Nas entrelinhas, o humanista critica todos os racionalistas e escolásticos ortodoxos que punham o homem ao serviço da razão e estende um véu de compaixão por sobre a natureza humana.

Curiosidade: Erasmo cursou o seminário com os monges agostinianos e realizou os votos monásticos aos 25 anos, vivendo como tal, sendo um grande crítico da vida monástica e das características que julgava negativas na Igreja Católica.



6 - "O Visconde Partido ao Meio", de Ítalo Calvino. Editora: Companhia de Bolso / 95 páginas

Opinião: Direita ou Esquerda? Essa foi a primeira pergunta que me fiz quando comecei a leitura. Ambos extremos prejudiciais são abordados nessa fábula que conta sobre a dualidade do ser humano. Leitura simples, estilo literário agradável e acima de tudo, um bom caso para ser contado numa roda com os amigos. Quando o mau e o bom se encontram os conflitos são certeiros e nós leitores não sabemos como lidar. 

Mini Resenha: O Visconde Medardo di Terralba, contra a ímpia artilharia de turcos, leva um tiro de canhão no peito, sofrendo sérias avarias, sobrando-lhe apenas a metade do corpo, intacta. Graças aos médicos, Medardo sobrevive, embora partido ao meio. Sua mutilação física é acompanhada de consequências indesejáveis em seu comportamento, causando grandes desgostos aos moradores de seus domínios. E, quando os camponeses já estão se acostumando as idiossincrasias do visconde, eis que ressurge a outra metade, para grande confusão e transtorno geral. Se meio visconde já incomodava tanta gente, que dizer das duas metades contraditórias?

Curiosidade: Considerado o artesão das ilusões, o escritor Ítalo Calvino é chamado de discípulo espiritual de Jorge Luis Borges. A obra resenhada "O Visconde Partido ao Meio" faz parte de uma trilogia que contém os títulos "O Barão nas Árvores" e o "Cavaleiro Inexistente". 

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